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Porque adoecemos?


O processo de adoecer é complexo, multifacetado e abrange vários aspectos da vida da pessoa que adoece.

Não adoecemos simplesmente, sem causa, sem motivo ou mesmo sem significado. Adoecemos no todo, estamos doentes e isto representa algo muito mais profundo e psicodinâmico que a simples doença com seu diagnóstico, sintomatologia e tratamento.

Quando dizemos que adoecemos no todo, estamos nos referindo a um dos pressupostos básicos da teoria Psicossomática que é: mesmo que a doença esteja localizada em um órgão específico, ao observamos a pessoa, devemos entender que o organismo como um todo está doente, sendo manifestado pontualmente em um órgão, somente por uma necessidade de externalizar o conflito por esse órgão (ou função, ou aparelho), pois ele tem a representação e um significado a ser exposto, observado, entendido e curado.

Portanto, ao identificarmos uma pessoa com problemas renais (por exemplo) não vemos uma pessoa com os rins doente, vemos uma pessoa doente, com o conceito externalizado (concretizado) nos rins. Afinal, nós não temos os rins, eles não nos pertencem, eles nos compõem, portanto não o temos e sim nós somos os rins. Como somos o coração, o fígado, os intestinos, etc.

Nós não temos (no sentido de possuir) os órgãos, nós somos os órgãos que nos compõem. Eu sou os meus olhos, meus ossos, meus pâncreas e todos meu corpo (órgão, músculos, ossos, aparelhos, sistemas, funções).

Mas o que tem chamado atenção, nos últimos tempos, é a quantidade de pessoas doentes fisicamente que encontramos, não só na nossa atuação profissional, como também nas nossas relações sociais e familiares.

Cada vez mais as pessoas relatam estarem com algum problema físico, realizando exames e fazendo uso de medicações para tentar resgatar o equilíbrio, ou melhor, o controle ou a cura dos seus males.

Observamos também a espantosa quantidade de farmácias que encontramos, às vezes uma ao lado da outra, numa simples caminhada pelo bairro ou sendo mais atento, pelos bairros e cidades que visitamos em nosso país.

Hoje as farmácias são supermercados dos fármacos. Existem gôndolas que percorremos, apoderados das cestinhas de compras e vamos escolhendo o que desejamos entre centenas, e por que não dizer milhares, de possibilidades de medicamentos disponíveis para o consumo.

Compra-se o que precisa e o que não precisa. Procuramos “novidades” para que possamos ter a justificativa da compra.

Na realidade estamos nos tornando, se é que já não somos, uma sociedade hipocondríaca. Gostamos de medicamentos, temos curiosidade em “experimentar” as novidades lançados por uma mídia especializada na promessa de milagres, realizadas pelos laboratórios.

Termos os remédios em casa, mesmo que não tenhamos a menor necessidade deles, dá-nos uma sensação de segurança, prevenção e de controle frente às doenças. Logicamente é uma “pseudossegurança” e um falso controle.

Mas a questão importante, neste caso, é o porquê desta necessidade coletiva?

Pensando em nossa macro realidade, podemos começar a entender o que ocorre. A sociedade está bastante doente e muito comprometida. Ela não nos oferece o mínimo de estabilidade para podermos ter segurança e podermos viver de modo tranquilo e saudável. Os valores morais e éticos, que norteiam e estruturam a matriz social de uma nação e, consequentemente, influenciam e organizam seus habitantes, estão adoecidos. Frágeis e débeis.

Estamos vivendo uma sociedade incoerente, sem regras definidas, injusta, ruptiva com suas responsabilidades frente à população.

Em última análise, nossa sociedade está padecendo de um transtorno sério de identidade, está esquizofrênica.

Nada é o que devia ser. Nada funciona ou atua em sua plenitude e integridade visando a população. O Legislativo e o Judiciário se perdem em politicagem, autodefesa e manutenção dos males que realizam.

A polícia gera tanto medo na população quanto os bandidos, e em determinadas situações fica difícil discernir quem é um quem é o outro. A área da saúde pública é inexistente e vergonhosa. Morre-se em fila de atendimento e se interna em corredores imundos de hospitais desaparelhados e sem mão de obra suficiente ou técnica.

A educação pública beira o absurdo em uma situação de abandono moral e cívico que afetam alunos e professores.  

Podemos, aqui, descrever outros inúmeros órgãos públicos, que foram idealizados, criados e que são mantidos com o dinheiro pago pelos cidadãos através de exorbitantes impostos, com os objetivos de cuidar, curar, proteger, transportar, orientar, defender, formar e desenvolver a população não só no coletivo, como também no individual, mas que não se prestam ao seu papel. Não exercem de forma adequada seus objetivos básicos e fundamentais.

É uma verdadeira sociedade esquizofrênica frágil, desamparada, desprotegida e vulnerável.

Não há, em última análise, uma instituição pública que nos proteja e acolha.

O que nos resta? Uma atitude coletiva reivindicatória dos nossos direitos civis e sociais seria uma opção saudável, mas como nossos modelos são patológicos e o Estado, que tem a representação e mesmo o papel simbólico de cuidadores da população, em que podemos seguramente fazer a analogia com os “pais protetores”, não estão de forma alguma, atuando como desejado e esperado.

Como consequência de viver esse descaso, uma das opções, até seguindo o macro modelo patológico, é adoecermos.

Adoecermos pelo desamparo, para termos atenção, carinho e cuidados. Adoecemos para fazermos parte de uma sociedade, por mais desagregadora e doente que possa ser.

Em ultima instancia adoecemos para pertencer.




Anderson Zenidarci


Psicólogo Clínico, Mestre em Psicologia da Saúde, Coordenador e Professor de Pós-Graduação em Psicossomática e Transtornos e Patologias Psíquicas, Supervisor Clinico, Pesquisador, Colunista da revista Psique: Ciência e Vida, Autor de dois livros sobre psicologia: 99 Procedimentos facilitadores em processos psicoterápicos e Adoeci! Por quê? 

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